O trabalho com leitura tem como
finalidade a formação de leitores competentes e, consequentemente, a formação
de escritores,
pois a possibilidade de produzir textos eficazes tem sua origem na prática de
leitura, espaço de construção da intertextualidade e fonte de referências
modalizadoras. A leitura, por um lado, nos fornece a matéria-prima para a
escrita: o que escrever. Por outro, contribui para a constituição de modelos:
como escrever.
A leitura é um processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de
construção do significado do texto, a partir dos seus objetivos, do seu
conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre a língua:
características do gênero, do portador, do sistema de escrita, etc. Não se trata simplesmente de
extrair informação da escrita, decodificando-a letra por letra, palavra por
palavra. Trata-se de uma atividade que implica, necessariamente, compreensão na
qual os sentidos começam a ser constituídos antes da leitura propriamente dita.
Qualquer leitor experiente que conseguir analisar sua própria leitura
constatará que a decodificação é apenas um dos procedimentos que utiliza quando
lê: a leitura fluente envolve uma série de outras estratégias como seleção,
antecipação, inferência e verificação, sem as quais não é possível rapidez e
proficiência. É
o uso desses procedimentos que permite controlar o que vai sendo lido, tomar
decisões diante de dificuldades de compreensão, arriscar-se diante do
desconhecido, buscar no texto a comprovação das suposições feitas, etc.
Um leitor competente é alguém que, por
iniciativa própria, é capaz de selecionar, dentre os trechos que circulam
socialmente, aqueles que podem atender a uma necessidade sua. Que consegue
utilizar estratégias de leitura adequada para abordá-los de formas a atender a
essa necessidade.
Formar um leitor competente supõe
formar alguém que compreenda o que lê; que possa aprender a ler também o que
não está escrito, identificando elementos implícitos; que estabeleça relações
entre o texto que lê e outros textos já lidos; que saiba que vários sentidos
podem ser atribuídos a um texto; que consiga justificar e validar a sua leitura
a partir da localização de elementos discursivo.
Um leitor competente só pode
constituir-se através de uma prática constante de leitura de textos de fato, a
partir de um trabalho que deve organizar-se em torno da diversidade de textos
que circulam socialmente. Esse trabalho pode envolver todos os alunos,
inclusive aqueles que ainda não sabem ler convencionalmente.
Tratamento didático
A leitura na escola tem sido
fundamentalmente, um objeto de ensino. Para que possa se constituir também em
objeto de aprendizagem, é necessário que faça sentido para o aluno, isto é, a
atividade de leitura deve responder do seu ponto de vista, a objetivos de
realização imediata. Como se trata de uma prática social complexa, se a escola
pretende converter a leitura em objeto de aprendizagem deve preservar sua
natureza e sua complexidade, sem descaracterizá-la. Isso significa trabalhar com
a diversidade de textos e de combinações entre eles. Significa trabalhar com a
diversidade de objetivos e modalidades que caracterizam a leitura, ou seja, os
diferentes "para quês" — resolver um problema prático, informar-se,
divertir-se, estudar, escrever ou revisar o próprio texto — e com as diferentes
formas de leitura em função de diferentes objetivos e gêneros: ler buscando as
informações relevantes, ou o significado implícito nas entrelinhas, ou dados
para a solução de um problema.
Se o objetivo é formar cidadãos
capazes de compreender os diferentes textos com os quais se defrontam, é
preciso organizar o trabalho educativo para que experimentem e aprendam isso na
escola. Principalmente quando os alunos não têm contato sistemático com bons
materiais de leitura e com adultos leitores, quando não participam de práticas
onde ler é indispensável, a escola deve oferecer materiais de qualidade,
modelos de leitores proficientes e práticas de leitura eficazes. Essa pode ser
a única oportunidade de esses alunos interagirem significativamente com textos
cuja finalidade não seja apenas a resolução de pequenos problemas do cotidiano.
É preciso, portanto, oferecer-lhes os textos do mundo: não se formam bons
leitores solicitando aos alunos que leiam apenas durante as atividades na sala
de aula, apenas no livro didático, apenas porque o professor pede. Eis a
primeira e talvez a mais importante estratégia didática para a prática de
leitura: o trabalho com a diversidade textual. Sem ela pode-se até ensinar a
ler, mas certamente não se formarão leitores competentes.
Aprendizado inicial da leitura
É preciso superar algumas concepções
sobre o aprendizado inicial da leitura. A principal delas é a de que ler é
simplesmente decodificar, converter letras em sons, sendo a compreensão
consequência natural dessa ação. Por conta desta concepção equivocada a escola
vem produzindo grande quantidade de "leitores" capazes de decodificar
qualquer texto, mas com enormes dificuldades para compreender o que tentam ler.
O conhecimento atualmente disponível
a respeito do processo de leitura indica que não se deve ensinar a ler através
de práticas centradas na decodificação. Ao contrário, é preciso oferecer aos
alunos inúmeras oportunidades de aprenderem a ler usando os procedimentos que
os bons leitores utilizam. É preciso que antecipem que façam inferências a
partir do contexto ou do conhecimento prévio que possuem que verifiquem suas
suposições — tanto em relação à escrita, propriamente, quanto ao significado. É
disso que se está falando quando se diz que é preciso "aprender a ler, lendo":
de adquirir o conhecimento da correspondência fonográfica, de compreender a
natureza e o funcionamento do sistema alfabético, dentro de uma prática ampla
de leitura. Para aprender a ler, é preciso que o aluno se defronte com os
escritos que utilizaria se soubesse mesmo ler — com os textos de verdade,
portanto. Os materiais feitos exclusivamente para ensinar a ler não são bons
para aprender a ler: têm servido apenas para ensinar a decodificar,
contribuindo para que o aluno construa uma visão empobrecida da leitura.
De certa forma, é preciso agir como
se o aluno já soubesse aquilo que deve aprender. Entre a condição de
destinatário de textos escritos e a falta de habilidade temporária para ler
autonomamente é que reside a possibilidade de, com a ajuda dos já leitores,
aprender a ler através da prática da leitura. Trata-se de uma situação na qual
é necessário que o aluno ponha em jogo tudo que sabe para descobrir o que não
sabe, portanto, uma situação de aprendizagem. Essa circunstância requer do aluno
uma atividade reflexiva que, por sua vez, favorece a evolução de suas
estratégias de resolução das questões apresentadas pelos textos.
Essa atividade só poderá ser
realizada com a intervenção do professor, que deverá colocar-se na situação de
principal parceiro, agrupar seus alunos de forma a favorecer a circulação de
informações entre eles, procurar garantir que a heterogeneidade do grupo seja
um instrumento a serviço da troca, da colaboração e, consequentemente, da
própria aprendizagem, sobretudo em classes numerosas nas quais não é possível
atender a todos os alunos da mesma forma e ao mesmo tempo. A heterogeneidade do
grupo, se pedagogicamente bem explorada, desempenha a função adicional de
permitir que o professor não seja o único informante da turma.
Para aprender a ler, portanto, é
preciso interagir com a diversidade de textos escritos, testemunhar a
utilização que os já leitores fazem deles e participar de atos de leitura de
fato; é preciso negociar o conhecimento que já se tem e o que é apresentado
pelo texto, o que está atrás e diante dos olhos, recebendo incentivo e ajuda de
leitores experientes.
A leitura, como prática social, é
sempre um meio, nunca um fim. Ler é resposta a um objetivo, a uma necessidade
pessoal. Fora da escola, não se lê só para aprender a ler, não se lê de uma
única forma, não se decodifica palavra por palavra, não se responde perguntas
de verificação do entendimento preenchendo fichas exaustivas, não se faz
desenho sobre o que mais gostou e raramente se lê em voz alta. Isso não
significa que na escola não se possa eventualmente responder perguntas sobre a
leitura, de vez em quando desenhar o que o texto lido sugere, ou ler em voz
alta quando necessário. No entanto, uma prática constante de leitura não
significa a repetição infindável dessas atividades escolares.
Uma prática constante de leitura na
escola pressupõe o trabalho com a diversidade de objetivos, modalidades e
textos que caracterizam as práticas de leitura de fato. Diferentes objetivos
exigem diferentes textos e, cada qual, por sua vez, exige uma modalidade de
leitura. Há textos que podem ser lidos apenas por partes, buscando-se a
informação necessária; outros precisam ser lidos exaustivamente e várias vezes.
Há textos que se pode ler rapidamente, outros devem ser lidos devagar. Há
leituras em que é necessário controlar atentamente a compreensão, voltando
atrás para certificar-se do entendimento; outras em que se segue adiante sem
dificuldade, entregue apenas ao prazer de ler. Há leituras que requerem um enorme
esforço intelectual e, a despeito disso, se deseja ler sem parar; outras em que
o esforço é mínimo e, mesmo assim, o desejo é deixá-las para depois.
Uma prática constante de leitura na
escola deve admitir várias leituras, pois outra concepção que deve ser superada
é a do mito da interpretação única, fruto do pressuposto de que o significado
está dado no texto. O significado, no entanto, constrói-se pelo esforço de
interpretação do leitor, a partir não só do que está escrito, mas do
conhecimento que traz para o texto. É necessário que o professor tente
compreender o que há por trás dos diferentes sentidos atribuídos pelos alunos
aos textos: às vezes é porque o autor "jogou com as palavras" para
provocar interpretações múltiplas; às vezes é porque o texto é difícil ou
confuso; às vezes é porque o leitor tem pouco conhecimento sobre o assunto
tratado e, a despeito do seu esforço, compreende mal. Há textos nos quais as
diferentes interpretações fazem sentido e são mesmo necessárias: é o caso de
bons textos literários. Há outros que não: textos instrucionais, enunciados de
atividades e problemas matemáticos, por exemplo, só cumprem suas finalidades se
houver compreensão do que deve ser feito.
Para tornar os alunos bons leitores —
para desenvolver, muito mais do que a capacidade de ler, o gosto e o
compromisso com a leitura —, a escola terá de mobilizá-los internamente, pois
aprender a ler (e também ler para aprender) requer esforço. Precisará fazê-los
achar que a leitura é algo interessante e desafiador, algo que, conquistado
plenamente, dará autonomia e independência. Precisará torná-los confiantes,
condição para poderem se desafiar a "aprender fazendo". Uma prática
de leitura que não desperte e cultive o desejo de ler não é uma prática
pedagógica eficiente.
Formar leitores é algo que requer,
portanto, condições favoráveis para a prática de leitura — que não se
restringem apenas aos recursos materiais disponíveis, pois, na verdade, o uso
que se faz dos livros e demais materiais impressos é o aspecto mais determinante
para o desenvolvimento da prática e do gosto pela leitura. Algumas dessas
condições:
• dispor de uma biblioteca na escola;
• dispor, nos ciclos iniciais, de um
acervo de classe com livros e outros materiais de leitura;
• organizar momentos de leitura livre
em que o professor também leia. Para os alunos não acostumados com a
participação em atos de leitura, que não conhecem o valor que possui, é
fundamental ver seu professor envolvido com a leitura e com o que conquista através
dela. Ver alguém seduzido pelo que faz pode despertar o desejo de fazer também;
• planejar as atividades diárias
garantindo que as de leitura tenham a mesma importância que as demais;
• possibilitar aos alunos a escolha
de suas leituras. Fora da escola, o autor, a obra ou o gênero são decisões do
leitor. Tanto quanto for possível, é necessário que isso se preserve na escola;
• garantir que os alunos não sejam
importunados durante os momentos de leitura com perguntas sobre o que estão
achando, se estão entendendo e outras questões;
• possibilitar aos alunos o
empréstimo de livros na escola. Bons textos podem ter o poder de provocar
momentos de leitura junto com outras pessoas da casa — principalmente quando se
tratam de histórias tradicionais já conhecidas;
• quando houver oportunidade de
sugerir títulos para serem adquiridos pelos alunos, optar sempre pela
variedade: é infinitamente mais interessante que haja na classe, por exemplo,
35 diferentes livros — o que já compõe uma biblioteca de classe — do que 35
livros iguais. No primeiro caso, o aluno tem oportunidade de ler 35 títulos, no
segundo apenas um;
• construir na escola uma política de
formação de leitores na qual todos possam contribuir com sugestões para
desenvolver uma prática constante de leitura que envolva o conjunto da unidade
escolar.
Além das condições descritas, são
necessárias propostas didáticas orientadas especificamente no sentido de formar
leitores. A seguir são apresentadas algumas sugestões para o trabalho com os
alunos que podem servir de referência para a geração de outras propostas.
Leitura diária
O trabalho com leitura deve ser
diário. Há inúmeras possibilidades para isso, pois a leitura pode ser
realizada:
· De
forma silenciosa, individualmente;
· Em
voz alta (individualmente ou em grupo) quando fizer sentido dentro da
atividade;
· Através
da escuta de alguém que lê.
No entanto, alguns cuidados são
necessários:
· Toda
proposta de leitura em voz alta precisa fazer sentido dentro da atividade na
qual se insere e o aluno deve sempre poder ler o texto silenciosamente, com
antecedência — uma ou várias vezes;
· Nos
casos em que há diferentes interpretações para um mesmo texto e faz-se
necessário negociar o significado (validar interpretações); essa negociação
precisa ser fruto da compreensão do grupo e produzir-se pela argumentação dos
alunos. Ao professor cabe orientar a discussão, posicionando-se apenas quando
necessário;
· Ao
propor atividades de leitura convém sempre explicitar os objetivos e preparar
os alunos. É interessante, por exemplo, dar conhecimento do assunto previamente,
fazer com que os alunos levantem hipóteses sobre o tema a partir do título,
oferecer informações que situem a leitura, criar certo suspense quando for o
caso, etc.;
· É
necessário refletir com os alunos sobre as diferentes modalidades de leitura e
os procedimentos que elas requerem do leitor. São coisas muito diferentes ler
para se divertir, ler para escrever, ler para estudar, ler para descobrir o que
deve ser feito, ler buscando identificar a intenção do escritor, ler para
revisar. É completamente diferente ler em busca de significado — a leitura, de
um modo geral — e ler em busca de inadequações e erros — a leitura para
revisar. Esse é um procedimento especializado que precisa ser ensinado em todas
as séries, variando apenas o grau de aprofundamento em função da capacidade dos
alunos.
Leitura colaborativa
A leitura colaborativa é uma atividade em que o professor
lê um texto com a classe e, durante a leitura, questiona os alunos sobre as
pistas linguísticas que possibilitam a atribuição de determinados sentidos.
Trata-se, portanto, de uma excelente estratégia didática para o trabalho de
formação de leitores. É particularmente importante que os alunos envolvidos na
atividade possam explicitar para os seus parceiros os procedimentos que
utilizam para atribuir sentido ao texto: como e por quais pistas linguísticas
lhes foi possível realizar tais ou quais inferências, antecipar determinados
acontecimentos, validar antecipações feitas, etc. A possibilidade de interrogar
o texto, a diferenciação entre realidade e ficção, a identificação de elementos
discriminatórios e recursos persuasivos, a interpretação de sentido figurado, a
inferência sobre a intencionalidade do autor, são alguns dos aspectos dos
conteúdos relacionados à compreensão de textos, para os quais a leitura
colaborativa tem muito a contribuir. A compreensão crítica depende em grande
medida desses procedimentos.
OUTRAS REFERÊNCIAS:
OUTRAS REFERÊNCIAS:
FERREIRO, Emilia. Passado
e presente dos verbos ler e escrever. São Paulo: Cortez,2002.
LERNER, Délia.
"É possível ler na escola?". In: Ler e escrever na escola: o real, o
possível e o necessário. (Trad.: E. Rosa) Porto Alegre: Artmed, 2002, pp.
74-102.
São Paulo (SP).
Secretaria Municipal de Educação. Diretoria de Orientação Técnica. Guia de
planejamento e orientações didáticas para o professor do 2º ano do Ciclo 1 /
Secretaria Municipal de Educação. – São Paulo: SME / DOT, 2007.225p. Ensino
Fundamental 2. Alfabetização I.
ZABALA, Antoni. A
prática educativa – Como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998.
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